domingo, 6 de janeiro de 2019

DRUMMOND E SÉRGIO, NUMA BRIGA, ROLARAM NO CHÃO!


Carlos Drummond de Andrade me contou que no ano de 1934, redator em Belo Horizonte do Estado de Minas e do Diário da Tarde, foi para o Rio de Janeiro, quando Gustavo Capanema exercia as funções de ministro da Educação e da Saúde Pública, nomeado por Getúlio Vargas, eleito presidente da República pela Assembleia Constituinte daquele ano.
O poeta passou a ser o chefe do gabinete de Capanema. Um velho amigo seu, o advogado Rodrigo Melo Franco de Andrade, obteve o cargo de diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Mais tarde Drummond se tornaria funcionário desse órgão.
Segundo as palavras do poeta, Rodrigo tinha o pseudônimo de Esmeraldino Olimpio. Era, pelo tronco paterno, bisneto de Rodrigo José Ferreira Bretas, primeiro biógrafo do Aleijadinho, e pelo tronco materno, sobrinho tetraneto de Francisco de Melo Franco, autor do célebre poema satírico O reino da estupidez, publicado em 1819.
Um tio de Rodrigo foi o excelente escritor Afonso Arinos, nascido na mineira Paracatu, autor de O mestre de campo, romance de costumes, e do drama histórico O contratador de diamantes, obra-prima do teatro brasileiro, com ação que decorre no Tijuco (atual Diamantina), e cujo personagem principal é Felisberto Caldeira Brant (o contratador), vítima do despotismo da Coroa Portuguesa. Daí a certeza: o vírus benfazejo da literatura estava no sangue de Rodrigo e o estimulou a gerar os contos do livro Velórios, aparecido em 1936, na época do inicio da Guerra Civil Espanhola.
A casa de Esmeraldino Olímpio, em Copacabana, transformou-se num ponto de reuniões de intelectuais. Drummond participava dessas reuniões e delas faziam parte o pintor Cândido Portinari, o historiador Otávio Tarquinio de Sousa, os poetas Vinicius de Moraes e Manuel Bandeira, os escritores Gastão Cruls, Lúcia Miguel Pereira, Francisco de Assis Barbosa, Afonso Arinos de Melo Franco, Sérgio Buarque de Holanda.
–Eu conversava horas a fio com o Sérgio – frisou Drummond – Ele me disse que em 1922, na casa de Ronald de Carvalho, situada na Rua Humaitá do Rio de Janeiro, ouviu o Mário de Andrade declamar o seu poema Pauliceia desvairada, marco do nosso Modernismo. Achavam-se presentes, nessa ocasião, o Teixeira Soares, o Peregrino Júnior, o Ribeiro Couto, o Osvaldo Orico, o Oswald de Andrade, o Manuel Bandeira, o Renato Almeida, o Austregésilo de Ataíde. A leitura produziu em todos forte impacto, mas escandalizou o Osvaldo Orico, poeta medíocre, enfadonho, futuro membro da Academia Brasileira de Letras.
Drummond me informou, em seguida, que no ano de 1924 o Sérgio Buarque de Holanda havia fundado, com Prudente de Moraes, neto, a revista Estética, de vanguarda e curta duração. Saíram apenas três números. Colaboraram nessa revista o próprio Drummond, o Aníbal Machado, o Graça Aranha, o Álvaro Moreyra.
Sempre curioso, perguntei ao poeta:
–Diga-me, você e o Sérgio se agarraram numa luta corporal? Luta tão feia, tão violenta, que fez ambos rolarem no chão? É verdade ou é mentira?
A resposta me surpreendeu:
–Pura verdade. Antes do pugilato o Sérgio se abria comigo, em confidências. Cheio de emoção, de nostalgia, revelou a mim que aos onze anos de idade o semanário infantil O Tico-Tico publicou a sua valsinha “Vitória-régia” e que aos dezoito anos escreveu o seu primeiro artigo, intitulado “Originalidade literária”.
–E o motivo da briga?
Drummond explicou:
O Sérgio Buarque de Holanda tinha uma namorada, lá no Ministério da Educação. Ela trabalhava no meu gabinete. Moça bonita, simpática, muito vaidosa, de bunda enorme, bem arredondada. Uma bunda abundante, como as das mulheronas dos quadros do pintor flamengo Rubens.
–Afinal de contas – perguntei sem conter o riso – o que levou o Sérgio a se engalfinhar com você?
–Em estado de fúria, espumejando, ele invadiu o meu gabinete, pois a bunduda lhe declarou que eu a assediava, queria transar com ela. Juro, não fiz isto, apenas me mostrava gentil, nada mais...

Diante do Sérgio, e sem se descontrolar, Drummond negou tudo, mas o possesso o agrediu com um soco. Os óculos do poeta voaram. Ambos se atracaram, como galos numa rinha. Sérgio berrava, chamando Drummond de canalha. Logo rolaram no chão e os dois tiveram que ser apartados.
O poeta concluiu:
–A nadeguda era leviana, Fernando, inventou a história para enciumar o Sérgio. De modo constante o ciúme, filho degenerado do amor ou da paixão, contrai matrimônio com a loucura. E veja a ironia, eu e o Sérgio deixamos de ser amigos, porém o Chico Buarque de Holanda, seu filho, gosta de mim, me abraça, vive me elogiando...
Após encerrar o comentário, Drummond quis conhecer a minha opinião sobre o livro mais famoso do ex-amigo, o ensaio Raízes do Brasil. Não hesitei:
–Essa obra do pai do Chico é de 1936, mas no meu raciocínio a sua tese, de que a colonização lusa foi vitoriosa no Brasil por causa da perfeita identificação do português com a nossa terra, a sua tese não é inovadora, original, pois três anos antes, em 1933, Gilberto Freyre já a defendera de modo mais minucioso, abrangente, no seu clássico livro Casa-Grande & Senzala, desdobramento de uma tese de Freyre apresentada em 1922 na Universidade de Colúmbia.
–Se é assim – Drummond deduziu – há lógica no seu julgamento. E contra ela, a lógica, a interpretação falsa se pulveriza, desmorona.
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor de “Drummond e o elefante Geraldão”, que acaba de ser lançado pela Editora Novo Século
 

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