Os 26
mil habitantes de Biritiba-Mirim, na Grande São Paulo, foram proibidos de
morrer, pois o prefeito Roberto Pereira da Silva, do PSDB, conhecido como
“Jacaré”, havia enviado à Câmara Municipal dessa cidade um projeto de lei, a
fim de propor isto. Biritiba-Mirim é dona de um só cemitério, que está
superlotado, com túmulos até nos seus corredores. Jazigos foram ocupados por
mais de duas famílias e polêmica resolução federal impedia o prefeito de mandar
construir uma nova necrópole, devido a questões ambientais. Eis o começo do
projeto:
“Roberto
Pereira da Silva, prefeito municipal de Biritiba-Mirim, no uso das atribuições
que lhe são conferidas por lei, faço saber que a Câmara Municipal aprovou e eu
promulgo a seguinte lei:
Artigo 1º - Fica proibido morrer em
Biritiba-Mirim.
Parágrafo único. Os infratores
responderão pelos seus atos.
Artigo 2º - Esta lei vigorará até a
construção de um novo cemitério municipal.
Artigo
3º - Os munícipes deverão cuidar da saúde para não falecer”.
Depois
de concluir a leitura do projeto, lembrei-me de um verso da Divina Comédia de Dante Alighieri, o 46
do canto III do lnferno:
“Questi no hanno speranza di
morte”
(“Estes não têm a esperança de
morrer")
O poeta
italiano, nessa passagem, mostra uma multidão desesperada, a agitar-se no
vestíbulo do reino dos demônios. Apenas a morte a libertaria, trazendo-lhe a
paz... Como esses condenados descritos por Dante, os biritibanos jamais
poderiam ir para a cidade dos pés juntos. A lei os obrigaria a permanecer
vivos. Se um deles parasse de respirar, o prefeito Roberto lhe faria esta
pergunta:
-Quem autorizou o senhor a morrer?
Resposta do defunto:
-Aconteceu, prefeito, eu não tenho culpa.
-Tem sim. O senhor violou o artigo
1º da Lei Anti-Defunto.
-Juro, doutor Jacaré, aconteceu.
-Se o senhor esticou a canela, foi
porque também desrespeitou o artigo 3º da referida lei, que determina que os
munícipes, para não morrer, deverão cuidar da saúde.
-Mas eu estava com saúde perfeita!
Morri de repente.
-E quem mandou o senhor morrer de
repente?
-Aconteceu, sei lá!
-Olhe, as suas palavras não me
convencem. Então o senhor não sabia que aqui, em Biritiba-Mirim, é proibido
morrer?
-Eu sabia, doutor Jacaré, eu sabia,
mas repito, aconteceu!
-Ouça, o parágrafo único do artigo
1º da Lei Anti-Defunto especifica que os infratores responderão pelos seus
atos. Portanto, eu ordeno: volte a viver. Ressuscite, vamos!
-Doutor Jacaré, como é que eu vou
fazer tal coisa?
-Ressuscite, não seja teimoso!
-Juro, eu não consigo, não consigo!
-Trate
de dar um jeito. Peça a ajuda do salvador do Brasil, o Lula.
-Se eu fizer isto, morrerei mais uma
vez.
Aí,
nesse momento, o prefeito se enfureceria, chamaria um policial e berraria:
-Prenda
esse defunto estúpido! Eu lhe ofereci a chance de ressuscitar e ele não quis.
Que fique na cadeia, até o dia do seu julgamento!
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Escritor e
jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio
de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins.
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