O
editor Charles Cosac, dono da editora CosacNaif, tem 1,84 de altura e ama a
solidão. Numa reportagem publicada na revista “Veja São Paulo”, o meu colega
Orlando Margarido informou que Charles vive recluso em Higienópolis, no seu
apartamento de 1.200
metros quadrados, cheio de obras de arte. Criatura de
olhar melancólico, revelador de alma extremamente sensível, ele não comparece a
eventos e jamais recebe para festas. Detesta o frenesi das multidões:
-Três
pessoas já me deixam em pânico - confessou.
Eu
compreendo Charles Cosac e não o censuro. Viver solitário, obedecendo as
ordens do nosso temperamento, além de ser boa defesa contra este mundo imundo,
é uma riqueza espiritual. Ora, Charles é um esteta, um amante das coisas
belas. A independência econômica lhe permite isolar-se, ficar longe da feiura
dos maus, dos ingratos, dos hipócritas, dos traidores, dos preconceituosos, das
pessoas cujas almas, se estas tivessem cheiro, federiam mais do que o cano de
um esgoto furado.
O nosso
mundo imundo se torna cada vez mais nojento e a solidão é pura, limpa, não
causa ânsia de vômito.
Gabriele
D'Annunzio (1863-1938) escreveu estas palavras no capítulo IV do romance
“Trionfo della morte”:
"A solidão é a prova suprema da
humildade ou da superioridade de um espírito.”
( “La solitudine é
la suprema prova dell ‘umilità o della sovranità di un anima”)
Santo
Antônio nos mostra como a solidão pode ser a prova máxima dessa humildade. Ele
era belo, nobre, rico. Influenciado por uma passagem da “Bíblia”, vendeu todos
os seus bens, distribuiu o dinheiro pelos pobres e foi morar no deserto do
Egito. Primeiro se abrigou num túmulo vazio, depois nas ruinas de uma
fortaleza. Cobriu-se com um cilício de crina de cavalo e só se alimentava com o
pão que lhe traziam, de seis em seis meses. E assim viveu, mortificando-se,
rezando sem parar. Ao ver o sol nascer, radioso e ofuscante, ele dizia:
"Ó sol, por que te levantas e
já me impedes de contemplar o esplendor da verdadeira luz?"
A verdadeira luz do solitário
Charles Cosac é a paz interior, proporcionada pelo afastamento das torpezas do
nosso mundo imundo. Estes versos de Amadeu de Amaral se ajustam à sua alma
delicada:
“A solidão é um bem;
tanto mais perfeito,
quanto não se alimenta de
ilusão:
e tangível, real, simples
e sem defeito
como a água, como a luz, o
ar e o pão”.
Nunca aceitei a afirmativa de que
toda solidão é nociva. Ela só é ruim se não tem sentido, pois as almas são
desiguais. Aquilo que agrada a fulano, pode desagradar a mim. Se todos
pensassem da mesma forma, a humanidade seria composta de robôs idênticos,
fabricados em série. Benditas as diferenças! Elas nos ajudam a
eliminar o tédio, a rotina, provocam a atração física ou espiritual.
No livro
“Génie du christianisme”, publicado em 1802, Chateaubriand colocou esta frase:
“A
solidão é perniciosa para quem nela não vive com Deus.”
("La solitude est mauvaise a celui qui n’y vit pas avec Dieu”)
Pois bem, o isolamento de Charles Cosac
é benéfico porque ele o acha necessário. E cristão ortodoxo, homem de muita fé,
é um solitário que acredita no Ser Absoluto.
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Escritor e
jornalista, Fernando Jorge é autor do livro As lutas, a glória e o martírio
de Santos Dumont, lançado pela HaperCollins
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