Minas
Gerais teve dois notáveis poetas que foram comparados a rouxinóis, por causa da
suavidade, da encantadora música dos versos de ambos: Alphonsus de Guimaraens
(1870-1921), nascido em Ouro Preto, e Belmiro Braga (1872-1937), nascido em
Vargem Grande, município de Juiz de Fora. Um cultor da língua portuguesa, Alves
de Cerqueira, chamou Belmiro de “o rouxinol mineiro”, porque os versos do autor
das Montezinas, livro aparecido em
1902, são melodiosos como os solfejos da ave de plumagem castanha avermelhada
no dorso, com gorjeios repletos de maravilhosas entonações.
Belmiro
Braga era pobre, foi guarda-livros, caixeiro de uma venda de secos e molhados
em Muriaé, agente de companhias de seguro, empregado de padaria em Carangola,
mas sem jamais abandonar a região dos devaneios. Na sua poesia cantante e
envolvente, às vezes flameja o sarcasmo:
“Na
estrada da vida subi morros,
desci
ladeiras e, afinal te digo
que, se
entre amigos encontrei cachorros,
entre os
cachorros, encontrei-te amigo!”
E
olhem a malicia, o sentido duplo desta quadra do livro Redondilhas, publicado em 1934:
“Calúnia,
à falta de assuntos,
porque na
cama nos viu,
diz que
nós dormimos juntos,
mas
nenhum de nós dormiu...”
Descrevendo
num belo soneto as águas de um rio ora lento, ora nervoso, encachoeirado,
Belmiro se extravasa:
“És como
o rio, coração tristonho:
Se ele
vive a chorar de queda em queda,
vives tu
a gemer de sonho em sonho.”
Enorme,
a admiração de Belmiro Braga por Machado de Assis. O “rouxinol mineiro” leu toda
a obra do escritor carioca e chegou a decorar vários dos seus contos. No mês de
junho de 1891, ele enviou a Machado uma carta, a fim de felicitá-lo pelo
aniversário natalício. Logo, em outra carta, o aniversariante respondeu:
“...agradeço-vos muito
de coração... Não tendo o gosto de conhecer-vos, mais tocante me foi a vossa
lembrança... Há desses amigos, que um escritor tem a fortuna de ganhar sem
conhecer e são os melhores.”
A
carta de Machado de Assis, ignorada pelos seus biógrafos e dirigida a Belmiro
Braga, desmente a sua fama de homem frio, insensível. Nela palpita delicado
calor humano, ausência de formalismo, como também prova esta passagem:
“É doce ao espírito
saber que um eco responde ao que ele pensou, e mais ainda se o pensamento
trasladado ao papel é guardado entre as coisas muito queridas de alguém.”
Belmiro,
a transbordar de entusiasmo, procurou o seu pai e mostrou-lhe a carta. Reação
do pai, conforme narra o poeta no livro de memórias Dias idos e vividos:
-Mas
quem é este sujeito?
O
poeta informou:
-Machado
de Assis!
Após
ler o nome do escritor na carta, o pai de Belmiro quis saber se ele era
negociante ou fazendeiro. O filho esclareceu:
-Machado
de Assis, papai, é o maior escritor do Brasil.
Cheio
de bom senso, o pai o aconselhou a largar as fantasias que “não rendem nada” e
cuidar das coisas do comércio, mas o entusiasmo de Belmiro pelo romancista de Dom Casmurro não arrefeceu, pois além
de possuir todos os seus livros, sempre lhe enviava os parabéns na data do
aniversário natalício e mandava-lhe palavras de estimulo, se o sabia enfermo.
No
Rio de Janeiro pela primeira vez, Belmiro passou a ir, todas as tardes, à
livraria Lombaerts, frequentada por Machado de Assis, após o término do
expediente do Ministério da Viação, onde ele era funcionário. O poeta ali
ficava a comprar lápis e outras miudezas, alimentando a ansiosa esperança de
ver o escritor. E Belmiro comenta no livro de memórias:
“Duvido
que o mais apaixonado dos namorados aguardasse o seu amor com a impaciência e o
embaraço com que eu aguardava Machado de Assis.”
Belmiro
esteve cinco dias na então capital federal e conseguiu, três vezes, ver o
escritor, porém sem se identificar, sem se apresentar a ele. O poeta o
acompanhava, de bonde, até a rua Cosme Velho. Ambos desciam juntos do veículo.
Machado entrava na sua casa, no sobrado número 18 da rua, e Belmiro permanecia
na calçada, a contemplar em êxtase o lar do seu ídolo:
“Voltei
outras vezes ao Rio, e em todas elas, nunca deixei de repetir essas peripécias
para o ver e o acompanhar.”
Já
bem doente, viúvo, Machado recebeu uma carta de Belmiro, na qual o poeta
lastimou a falta que lhe fazia a esposa. Machado, respondendo, enviou-lhe o
soneto dedicado à esposa morta, cujo primeiro quarteto é assim:
“Querida,
ao pé do leito derradeiro
em que
descansas dessa longa vida,
aqui
venho e virei, pobre querida,
trazer-te
o coração do companheiro.”
Quando
o escritor morreu, em 1908, o retrato de Belmiro foi encontrado sobre a sua
mesa. Palavras do autor do poema “As três rosas”, no capítulo LXIX do livro Dias idos e vividos:
“E
eu, que o vi tantas vezes, que o admirava tanto e que tanto lhe queria, nunca
tive ânimo de dizer-lhe quem era e de apertar-lhe a mão...”
Dois
oradores no cemitério São João Batista, antes do sepultamento de Machado, deram
o último adeus e se referiram a Belmiro, evocando aquela espiritual amizade
entre o poeta e o escritor. Um amigo de Belmiro pegou algumas flores do enterro
e enviou-as ao “rouxinol mineiro.”
Homem de alma mística, eu vejo agora os dois juntos, o
lírico das Contas do meu rosário e o
viúvo da amada Carolina, conversando, recitando poesias um para o outro, lá na
mansão etérea sonorizada por sinos de ouro, onde moram as almas puras, sob o
olhar carinhoso do nosso Pai Celeste, da Suprema Luz, do Eterno Sol, do
incomparável Arquiteto do Infinito Estrelado...
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