domingo, 12 de agosto de 2018

Mauro Felippe é um poeta filósofo


Mauro Felippe, desde a sua adolescência, sempre amou a cultura, os livros, pois como Richard de Bury (1281-1345), bispo de Durham, condado da Inglaterra, ele sabia que “o amor aos livros é amor à sabedoria”, conforme escreveu em latim esse religioso, no capítulo XV da obra intitulada “Philobiblion”: amorem librorum, amore sapientiae constat esse.
A paixão de Mauro pela literatura e pelos expoentes desta, levou-o a retratar Cervantes e o Quixote numa poesia. Definiu assim o fidalgo manchego: “um gênio abstrato, atemporal”.
Na poesia de Mauro Felippe os espelhos vivem, estremecem, palpitam, latejam como as artérias, expressam sentimentos sutis, transmitem mensagens das profundezas da alma. O argentino Jorge Luís Borges, cujo tema chave dos seus textos é o eterno retorno, consubstanciado em símbolos e imagens, aplaudiria, cheio de entusiasmo, a composição “Reflexos”, de Mauro Felippe, produzida no mês de maio de 2016:

“Os espelhos do mundo,
Sempre estão cheios de pessoas às suas frentes
Vêm, automaticamente, aos seus encontros,
Para ver e matar as saudades latentes.

Sentem a falta dos que se viram
E se vão, não voltam mais.
De tristeza, oxidam-se e escurecem,
Fixados nas velhas paredes que não os deixam cair jamais.

Quantas rugas avistaram, enquanto emoldurados,
Quantos corpos nus adiante – abstinentes,
Flagelos do tempo que, quando embaçados,
Refletem aos ventos os seres indecentes.

Os espelhos do mundo
Refletem menos os homens do que os seus adornos,
Sempre nos momentos que os desejarem,
Sempre para reinventarem seus egos, antes dos próximos retornos.”

Castro Alves, no soneto “Bárbora”, colocou estes versos:

“Um dorso de Valquíria... alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tão vivos como espelhos,
Mas como eles sem chama alguma;”

Para Mauro Felippe, no entanto, os espelhos tem labaredas, pois os vê como seres reais. E acha, suponho, que eles podem sentir saudades das pessoas mortas.
O mineiro Basílio da Gama (1741-1795), é autor destes versos, inseridos na poesia “A declamação trágica”:

“Do vidro que te engana, não sigas o conselho:
                busca, que dentro d’alma tens o melhor espelho”


Mas, a rigor, na visão de Mauro Felippe, os espelhos também possuem alma e não são apenas, num vidro, os reflexos dos corpos materiais.
O verdadeiro poeta é capaz de ver a beleza até nas coisas que, de imediato, nos parecem feias ou imundas. Eis a prova da nossa afirmativa, nos seguintes versos de “A poça”, escritos por Mauro em julho de 2015:

“Na lama inerte,
Intacta – assentada,
Exposta ao céu,...
Uma poça.

Poça de água parada,
Sobre a terra – sobre o barro,
Feita pela chuva,
Que sempre a transborda e após recua.

Na lama – aquela poça
Cristalina e crua,
Sobre o humus barrento
Que no seu reflexo se vê a lua.

E até numa flor de plástico o hipersensível Mauro Felippe contemplou a beleza. Admirem estes seus versos, nascidos nas vésperas do Natal de 2015:

“Era apenas uma flor de plástico,
Como àquelas encontradas aos milhares.
Barata – artificial,
Composta de pétalas cheias de pó.

Quem poderia imaginar,
Ela replicada em todos os cantos,
Nos claros e nos escuros recantos,
Nas mesas e sobre as lápides, no pó.

Ela pensa em nós,
Mesmo sendo de plástico,
Apenas uma flor,
Colorida, com pó.

Ornamenta vasos e corações,
Como as reais,
Não murcha, só desbota.
Mas basta perder uma pétala, que no lixo vira pó.”

Deduzimos, portanto, de maneira absolutamente lógica: Mauro Felippe é um poeta filósofo, como foram Augusto dos Anjos e Raul de Leoni em nossa literatura. Na sua poesia o pensamento se harmoniza com o sentimento. Ambos não se chocam. Versos de sua lavra, e cito aqui o poemeto “Assobia o canto triste”, revelam isto e provam como filosofar, frequentes vezes, é também dulcificar a realidade. Shakespeare não errou ao escrever estas palavras na cena quinta do ato terceiro da peça Romeu e Julieta:

“Filosofia, doce leite da adversidade!”
                        (Adversity’s sweet milk, philosophy!”)

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