Advogada, ex-procuradora da República e da
Fazenda Nacional, padece de aguda cegueira mental a senhora Larissa Sacco,
esposa do médico estuprador Abdelmassih. Ela exibe essa cegueira no seu artigo
“Quem é Roger Abdelmassih” (Folha de
S.Paulo, 2-10-2014). Assegura no texto ilógico que nunca houve qualquer
tipo de cerceamento, por parte dele, da sua “liberdade sexual”.
Ora, Roger foi condenado a 278 anos de prisão
por 48 crimes sexuais contra 37 mulheres. Aceitemos o argumento de o médico
jamais ter abusado sexualmente da futura esposa. Isto o absolve? Roger seria um
burro chapado, um legitimo cretino, se estuprasse Larissa, que é advogada, uma
conhecedora do Código Penal.
A consorte do Doutor Horror o vê como um
inocente, um quase anjo. E indaga: por que as acusadoras de Roger voltaram a
procurá-lo? Respondo: elas não sabiam, durante os estupros ficavam dopadas.
Exames posteriores comprovaram a violência.
O próprio estuprador admitiu a sua culpa, como
é evidente na reportagem “As confissões de Abdelmassih”, feita por Alexandre
Hisayasu (VEJA, 15-10-2014). Eis a
confissão de Roger, gravada pelo seu psiquiatra:
“Deus quis quebrar o prepotente (ele, Roger)...
o comedor!... Que passava mulher pra trás... O grande comedor, que
provavelmente achava que tudo tava disponível, a mulher jogava o milho, e eu ia
comer, e levei ferro. Você sabe que mulher é um bicho desgraçado mesmo”.
Roger sentia-se igual a um galo no cio. Viu
como ele define as mulheres, Larissa? A senhora “é um bicho desgraçado”?
Concorda?
No artigo em defesa do estuprador, ela exalta o
“caráter reto” do marido, a sua “falta de culpa”. Então, senhora Larissa, leia
o depoimento de Vanuzia Leite Lopes, de 54 anos, concedido à repórter Natália
Cancian, da Folha de S.Paulo:
“Foi em 1993. Ele sempre me elogiava. Falava
que era bonita. Mas nunca pensei que um médico fizesse isso (estupro). Só soube
porque o remédio para dormir não fez efeito o tempo todo. Quando acordei, ele
estava em cima de mim. Estava com o ânus sangrando e cheia de esperma (ela,
Vanuzia). Fiquei chocada. Tentava me desvencilhar, fui empurrando (o Roger).
Consegui colocar a roupa e sai chorando, desesperada. De lá fui a uma delegacia
e me encaminharam para exames”.
Veja agora, Larissa, as consequências do
estupro do seu marido, ainda segundo o depoimento da vítima:
“Depois disso aconteceu um fato terrível. Como
ele fez sexo anal e vaginal, e tinha me dado muito hormônio, meu ovário estava
hiperestimulado e preparado para multiplicar tudo que recebesse. Ele
multiplicou uma bactéria. Dez dias depois, eu já estava quase morta. Tiraram
minhas trompas e ovário, que infeccionou. Fiquei quarenta dias no hospital” (Folha de S.Paulo, 16-10-2014).
Larissa tece louvores a Roger, por este ser um
pai e um marido perfeitos, uma criatura repleta de amor aos filhos, à família.
E daí? Tal sentimento prova a sua inocência? Excelente pai e marido foi também
Joseph Fouché (1754-1820), o monstruoso responsável pelos morticínios de Lyon,
na época de Napoleão (eu o evoquei no meu livro Água da fonte). Sob o teto do seu lar esse álgido assassino,
informa Stefan Zweig, era “o mais amante dos maridos, o mais terno dos pais de
família”.
Outro ótimo esposo, idêntico sob este aspecto a
Roger, foi o médico inglês Harold Shipman (1946-2004), o Doutor Morte (Doctor
Death), pai exemplar de quatro filhos, marido dedicado de Primrose Oxtoby,
preso em 1998, após liquidar mais de 297 pacientes, a maioria mulheres, com
doses diárias e letais de diamorfina. Harold, o pior serial killer da Inglaterra (Britain’s
worst serial killer), enforcou-se na sua cela da penitenciaria de
Wakefield.
As palavras do juiz Thayne Forbes, após
condená-lo a prisão perpétua, aplicam-se de forma justa a Roger Abdelmassih:
“O senhor abusou da confiança dessas vítimas,
pois era o médico delas. Usou suas habilidades médicas de maneira fria,
perversa e calculista, sem demonstrar remorso.”
Senhora Larissa, continue a defender o seu
encantador marido, tão puro, tão inocente como Joseph Fouché e Harold
Shipman...
Os estupros de Roger me trouxeram à memória a
novela The strange case of dr Jekill and
mr. Hyde, publicada em 1886, mais conhecida pelo título de O médico e o monstro, do escritor
escocês Robert Louis Stevenson (1850-1894). Nessa história, sempre que ingeria
uma droga, o médico Henry Jekill se transformava no demoníaco doutor Edward
Hyde, num crápula odioso, cruel, repulsivo, de baixos instintos.
Para virar monstro, à semelhança do doutor
Jekill, o doutor Abdelmassih não precisava tomar nenhuma droga. Bastava-lhe
obedecer as ordens ditadas pela sua voraz e insaciável bestialidade, disposta,
em qualquer hora, a devorar indefesas carnes femininas.
Concluindo, reproduzo a seguinte frase do
crítico e lexicógrafo britânico Samuel Johnson (1709-1784), autor de ensaios
famosos:
“Quem se converte numa besta, liberta-se do
esforço de viver como um ser humano”.
(“He who make a beast of himself, gets rid of
the pain of being a man”)
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