Jamais gostei de dar conselhos,
porque não me julgo nenhum sábio, mas agora estou numa posição especial, que me
força a violentar o meu temperamento. Um leitor de Santos enviou-me uma carta,
descrevendo o seu drama íntimo. Ele declara, em determinado trecho da carta:
“Peço ao senhor que me responda, numa de suas crônicas. Não sou egoísta. Pode
ser que meu caso não seja o único. Deste modo um outro indivíduo, que esteja em
idêntica situação, poderá aproveitar os seus conselhos, os quais, tenho
certeza, serão respeitosamente acolhidos.” Examinemos o problema desse leitor.
Homem de meia-idade, diz ele, tem quatro filhos e está casado há quase trinta
anos com uma senhora que conta igual número de outonos. De uns tempos para cá,
sem conseguir explicar a razão, sente-se nervoso, aflito. Tudo o fatiga, tudo o
aborrece. Já não suporta a presença da dedicada companheira. Ela, sempre fiel,
calma, discreta, causa-lhe um mal-estar indefinível. A fisionomia abatida,
murcha e um pouco enrugada da paciente esposa, e os seus cabelos já meio
brancos, provocam no espírito do meu leitor um certo desencanto, uma profunda
melancolia... Confessou-me que se acha cansado da própria mulher. Não descobre
nela nada mais que o seduza. Aqui vai um conselho ao meu leitor: não menospreze
a sua esposa. Procure ver quanta beleza existe nos seus cabelos algo prateados.
Cada um dos fios brancos da sua cabeça é a marca de uma fidelidade silenciosa.
Vou evocar, para o meu agoniado leitor, a crise psicológica de um nobre
europeu. A história é verdadeira. A condessa de Eglington, uma das mulheres
mais lindas da Escócia, tinha ultrapassado a casa dos quarenta anos. O seu
marido pretendia, de maneira obstinada, ganhar um herdeiro, e a condessa lhe
dera sete filhas. Desesperado pelo fato de não ter um sucessor, o conde, tipo
excêntrico, resolveu separar-se para sempre da esposa. Propôs que consentisse
no divórcio. - Sem dúvida - disse a condessa - mas eu não devo, nem posso
consentir na separação, enquanto o senhor não me devolver tudo que recebeu de
mim. Esta foi a resposta do conde: - Concordo. Não somente pretendo devolver o
dote que recebi de sua pessoa, como também concedo à senhora, da mesma forma,
uma pensão vitalícia. - O senhor não me compreendeu - replicou a condessa -
guarde o meu dote e todos os seus bens. Não é disso que eu falo. Para que nos
separemos é necessário, primeiro, a devolução da minha mocidade. Em seguida, a
da minha beleza de jovem. Depois, senhor conde, quero a entrega de minha
condição de solteira, pois o senhor haverá de convir que recebeu de mim essas
três coisas muito preciosas. Impressionado com o pedido, o conde de Eglington
abaixou os olhos, reconhecendo a injustiça que praticara. E nunca mais falou em
divórcio. Agora, meu insatisfeito leitor, disposto a acabar com o seu
casamento, permita-me fazer esta pergunta, baseado na história acima narrada:
após trinta anos de convivência, o senhor poderá devolver à sua esposa a
mocidade que ela possuia e que lhe entregou, e também a sua beleza de jovem, as
suas ilusões, a sua condição de solteira? Se puder devolver-lhe tudo isto, o
senhor terá o direito, na minha opinião, de abandoná-la e de andar de cabeça
erguida, até o fim da sua vida.
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Escritor e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro “Cale a boca, jornalista!”, cuja 7ª edição foi lançada pela editora Novo Século.
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