Charles Dickens - www.telegraph.co.uk |
-Esse
método de "enterrar" os devedores relapsos - diz o comerciante - está surtindo ótimos efeitos.
O
problema das dívidas é muito complexo, porque deparamos com casos especiais.
Condenar, sistematicamente, qualquer fulano que não soluciona os seus compromissos
econômicos, é ser rigoroso em demasia. Acusar, de modo indiscriminado, os
credores, constitui outro erro. Afinal de contas, para tudo existe exceção.
Estamos diante da vida como um sujeito que presencia ruidoso espetáculo de
variedades, ora dramático, ora cômico.
Há
um estado de espírito que merece o estudo dos psiquiatras: denomina-se obsessão
pelas dívidas. Vultos eminentes padeceram dessa neurose.
O
pavor aos credores provoca fugas rocambolescas. Alexandre Dumas, em apertos
econômicos, refugiou-se na Bélgica, onde se avistou com Víctor Hugo. Era um exilado financeiro encontrando-se com um
exilado político.
Charles
Dickens, um dos grandes romancistas da Inglaterra, curtiu uma infância
melancólica, escutando as ameaças e os impropérios dos agiotas que vinham
cobrar contas do seu progenitor. Volta e meia os oficiais de justiça arrancavam um traste da casa de
John Dickens. A fome era a única inquilina satisfeita no lar miserável. Por fim
o pai de Dickens foi preso, e o filho, em tenra idade, teve de também prover o
sustento da numerosa família, empregando-se numa fábrica de graxa.
E
os habilíssimos estratagemas utilizados pelos devedores insolventes?
Enumerá-los seria tarefa infindável. Limitar-me-ei a narrar um episódio quase
ignorado.
Durante
a Revolta da Armada, o advogado Lopo de Godefroi ajudava Floriano Peixoto nas
investigações contra os insurretos. Certa manhã apareceu no gabinete e logo
segredou ao Consolidador da República:
-Marechal,
acabo de averiguar que determinado capitalista fornece meios para fomentar a
revolta.
Floriano,
após saber o nome por extenso do acusado, ordenou a sua detenção imediata. O
homem compareceu trêmulo, lívido, perante o sucessor de Deodoro:
-Senhor
marechal -
balbuciou - não conheço inimigo capaz de me
caluniar, a não ser um: o advogado Lopo de Godefroi. Ele me assinou uma
promissória de vários contos de réis, vencida exatamente no dia em que fui
detido. Recusei-me a reformá-la. Talvez venha dele essa denúncia falsa. Seria
uma forma de furtar-se ao compromisso.
Floriano
ouviu com toda atenção o acusado. Apurando a verdade, não vacilou em mandar
substituir, no cárcere, o inocente credor pelo causídico infame.
As
dívidas são verrumas que Iaceram a consciência de alguns, deixando sulcos
profundos, às vezes indeléveis. Em outras ocasiões, conforme o devedor, pesam
menos que uma pluma...
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Escritor
e jornalista, Fernando Jorge é autor do livro Se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido, cuja 6ª
edição foi lançada pela Editora Novo Século
2 comentários:
Olá! Estou fazendo um trabalho sobre o seu livro "Cale a boca, Jornalista!" na Universidade e gostaria de fazer algumas perguntas para você. Por favor, entre em contato comigo! Att., Ana Carolina
Por favor, me responda!! Aguardo ansiosamente a sua resposta.
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