domingo, 15 de dezembro de 2013

Os livros dos três Emediatos


Um acontecimento literário singular ocorreu na Saraiva Megastore do Shopping Pátio Higienópolis, da cidade de São Paulo: três escritores, ao mesmo tempo, autografaram os seus livros. E daí, indagará o leitor desta coluna muito lida numa grande rede de jornais, e daí, aonde está a singularidade do fato? O acontecimento literário singular é este: um pai, Luiz Fernando Emediato, a sua filha, Fernanda Emediato, e o filho de Luiz, o garoto Antonio Alselmo Emediato, nascido em 2005, e portanto de apenas oito anos, autografaram os belos livros escritos por eles. Nunca houve um fato dessa natureza em nossa vida literária.

Darcy Ribeiro, pouco antes de falecer, soltou a seguinte frase:

“O Brasil ficou grandão, fortão, jogador de futebol e imbecil.”

Pura verdade. Se essa imbecilidade não atingisse também a mídia, dezenas de jornais, revistas, emissoras de televisão do nosso caótico país, o singular acontecimento teria sido divulgado em ampla escala, porque além de ser um fato inédito, os três autores possuem admirável talento literário.

Luiz Fernando Emediato autografou a segunda edição, revista e aumentada, do seu Não passarás o Jordão, mescla de romance e livro de memórias. É obra indispensável para quem deseja compreender, de forma abrangente, os absurdos, as violências, as torturas, os atos de arbítrio, a repressão doida, alucinada, da época da ditadura militar brasileira, imposta depois do Golpe de 1964. Ditadura da qual me tornei vítima, pois fui processado quatro vezes como “escritor e jornalista subversivo”, apesar de ser um democrata, um fogoso paladino da justiça, da liberdade, dos direitos humanos.

Não passarás o Jordão magnetiza o leitor da primeira até a última página. O estilo claro e límpido dessa obra, trouxe à minha memória esta frase de Monteiro Lobato sobre o escritor Camilo Castelo Branco, inserida numa carta enviada a Godofredo Rangel, conforme podemos ver no livro A barca de Gleyre, publicado em 1944 pela Companhia Editora Nacional:

“Camilo escrevia com a mesma naturalidade com que um homem de boa saúde mija.”

A naturalidade envolvente do livro de Luiz vai transformar-se num filme. E esse filme, acredito, alcançará sucesso em 2014, cinquenta anos depois do Golpe de 1964.

O livro de Fernanda Emediato se intitula A menina perdida. É a história de uma garota chamada Micaela Maria. Outros personagens dessa narrativa singela, bem escrita, reveladora de fértil imaginação: José Maria e Maria José, pais de Micaela, a princesa Charlotte XI, o rei George e a rainha Margot, a bruxa Mauzeb.

A história de Fernanda Emediato é da lavra de uma alma delicada, extremamente sensível. Pensei, ao terminar de lê-la: a filha do Luiz deve ter uma sensibilidade à flor da pele, é capaz de chorar nos momentos de melancolia. O seu livro A menina perdida se acha repleto de alma, de emoção. Impressionou-me, além disso, o destino da bruxa Mauzeb, pois Fernanda humanizou-a no fim da história, tirou-lhe a maldade...

Surpreende a inteligência, o talento literário do menino Antonio Anselmo Emediato, autor do livro Minha família. Fiquei emocionado com a sua bondade, com a sua pureza, com o seu profundo amor às suas duas famílias. Neste mundo cheio de almas torvas, sem luz, me comove contemplar a ternura de Antonio, a sua inocência, e peço ao Criador que o proteja sempre, que o defenda do ódio, da inveja e das armadilhas dos perversos. Lendo o seu livro, lembrei-me que Victor Hugo disse que quando a criança olha para nós, Deus nos sonda (“quand l’enfant nous regarde, on sent Dieu nous sonder”) e também deste verso do poeta inglês Swinburne (1837-1909), no poema “A song of welcome”:

“Onde não há crianças, não existe o céu.”

(“Where children are not, heaven is not”).

Após ler os três livros dos três Emediatos – o da Fernanda e o do Antonio com lindas ilustrações de Mance – cheguei a esta firme conclusão: o talento literário, algumas vezes, é hereditário.

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